Viva a Mãe de Deus e nossa, orientações do Documento de Aparecida

papa e nossa senhora

“11.  A Igreja é chamada a repensar profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas circunstâncias latino-americanas e mundiais. Ela não pode fechar-se àqueles que trazem confusão, perigos e ameaças ou àqueles que pretendem cobrir a variedade e complexidade das situações com uma capa de ideologias gastas ou de agressões irresponsáveis. Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a novidade do Evangelho arraigada em nossa história, a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo, que desperte discípulos e missionários. Isso não depende de grandes programas e estruturas, mas de homens e mulheres novos que encarnem essa tradição e novidade, como discípulos de Jesus Cristo e missionários de seu reino, protagonistas de uma vida nova para uma América Latina que deseja se reconhecer com a luz e a força do Espírito.

  1. Uma fé católica reduzida a conhecimento, a um elenco de algumas normas e de proibições, a práticas de devoção fragmentadas, a adesões seletivas e parciais das verdades da fé, a uma participação ocasional em alguns sacramentos, à repetição de princípios doutrinais, a moralismos brandos ou crispados que não convertem a vida dos batizados, não resistiria aos embates do tempo. Nossa maior ameaça “é o medíocre pragmatismo da vida cotidiana da Igreja na qual, aparentemente, tudo procede com normalidade, mas na verdade a fé vai se desgastando e degenerando em mesquinhez”. A todos nos toca “recomeçar a partir de Cristo”, reconhecendo que “não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva”.

Documento de Aparecida

Começou o Sínodo sobre a Família!

Desde o início dos tempos a humanidade busca o divino. No início eram as forças da natureza tidas como divindades e o homem adorava o sol e a lua, a chuva e o trovão. Em outros tempos eram os reis mortais que recebiam a gloria e o louvor de seu povo. Mas, a despeito de toda procura, sempre que se viu confrontada com a verdadeira face de Deus, a humanidade a rejeitou. Assim como a parábola dos vinhateiros homicidas (Mt 21,33-43), o povo repudiou e matou sucessivamente todos os profetas que Deus lhes enviou para recolher os frutos de uma vida mais justa. Ainda assim Deus, num gesto incrível de amor, enviou Seu próprio Filho, mas os líderes políticos e religiosos o tiraram da vinha e acabaram com Ele, esperando ganhar à força a herança que por seus méritos não tinham direito.

Isso acontece porque buscamos um deus que exija sacrifícios e não conversão. Intimamente queremos sacrificar pessoas e coisas, mas desde que nos seja permitido manter nossos preconceitos e privilégios. Você verá facilmente mãos apontando para a mãe solteira e vozes ferozes contra o aborto, mas em poucas casas uma jovem grávida e expulsa por sua família encontrará abrigo. Você ouvirá pregadores inflamados contra o casamento igualitário, mas poucos deles denunciarão a matança endêmica de LGBT Brasil afora. Mas o Senhor ensina que Ele quer “a misericórdia e não o sacrifício” (Mt 9,13).

E é confiando nesse Deus bondoso e compassivo (Sl 85,15), que acompanhamos hoje a abertura da 3ª Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, convocada pelo Papa Francisco para debater a situação das famílias no mundo atual. Participemos, ainda que apenas em orações, pedindo a iluminação para nossos pastores para que compreendam e cooperem para um real cuidado das famílias e para que nos livrem daqueles que tentam nos impor pesados fardos e responsabilidades que nem eles mesmos assumem. Em seu discurso, o Papa enfatizou a responsabilidade do clero de cuidar da família, mas alertou que também os membros da Igreja podem cair na tentação de se apoderar da vinha, porque o sonho de Deus sempre confronta a hipocrisia de alguns dos seus servidores.

Por fim, gostaria de dizer que “todos nós, como pessoas LGBT, filhas e filhos de Deus, nascemos no seio de famílias,das mais diversificadas, e todos nós buscamos viver em família, seja ela eletiva ou biológica. Como Católicos, sabemos que Nosso Senhor Jesus Cristo sempre promoveu e promove mais a família eletiva que a biológica. Ou seja,consideramos que o discurso Católico sobre a família nos toca profundamente,sobretudo porque estas palavras de Jesus nos ressoam: “A minha mãe e os meus irmãos são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 8, 21).[…] E isto nos leva a pedir que os Senhores (Bispos) não insistam em“defender” a família contrapondo-a aos direitos e à estabilidade psíquica e espiritual das pessoas LGBT. Estas “defesas” soam como forma de se imiscuir de maneira pouco evangélica em vivências familiares complexas em que todos sairiam ganhando se o assunto fosse tratado com honestidade, escuta, paciência e carinho.”[1]

Para evitarmos as armadilhas é preciso nos deixar guiar pelo Espírito Santo. Juntos, rezemos pelo Sínodo e por todas as Famílias!

Lucas Paiva

Grupo de Ação Pastoral da Diversidade São Paulo.

[1] Resposta dos LGBT Católicos ao Bispos da Igreja Católica Apostólica Romana, por ocasião do Sínodo Extraordinário sobre os desafios da Família no mundo atual, disponível em petição no Avaaz.

Relembrando os avanços

grupo

Neste ano a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo em virtude da 18º Parada do Orgulho de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, após consultadas feitas ao nosso grupo e reuniões decidiu lançar a nota que segue na integra abaixo:

“Fiel à sua missão de anunciar e defender os valores evangélicos e civilizatórios dos Direitos Humanos, a Comissão Justiça e Paz de São Paulo (CJPSP) vem a público manifestar-se por ocasião da 18ª Parada do Orgulho LGBT que se realiza na Av. Paulista no próximo domingo, dia 04 de maio de 2014.

Nosso posicionamento se fundamenta na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, aprovada pelo Concílio Vaticano II, que diz: “As alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.”

Assim, a defesa da dignidade, da cidadania e da segurança das pessoas LGBT – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – é imprescindível para a construção de uma sociedade fraterna e justa. Por isso não podemos nos calar diante da realidade vivenciada por esta população, que é alvo do preconceito e vítima da violação sistemática de seus Direitos Fundamentais tais como a saúde, a educação, o trabalho, a moradia, a cultura, entre outros. Além disso, enfrentam diariamente insuportável violência verbal e física, culminando em assassinatos, que são verdadeiros crimes de ódio.

Diante disso, convidamos as pessoas de boa vontade e, em particular, a todos os cristãos, a refletirem sobre essa realidade profundamente injusta das pessoas LGBT e a se empenharem ativamente na sua superação, guiados pelo supremo princípio da dignidade humana.”

Porque a boca fala do que lhe transborda do coração. (Mt 12,34)

grupo

Às vésperas de uma eleição, os direitos da população LGBT ainda dividem eleitores e candidatos no Brasil. Embora o país seja laico, os brasileiros são majoritariamente um povo cristão e cada vez mais homens e mulheres ligados às igrejas, sobretudo evangélicas neopentecostais, vêm se candidatando a cargos representativos, obtendo razoável desempenho. Eles representam um segmento mais conservador da sociedade e habitualmente são opositores ferozes ao reconhecimento do casamento igualitário e da criminalização da homofobia. Esses candidatos religiosos justificam suas posições contrárias aos direitos dos homossexuais por conta de sua fé cristã. Segundo estes, seguir Jesus Cristo implica uma leitura acurada da Bíblia e justamente isso os impele à defesa da família tradicional (formada por um homem e uma mulher unidos em matrimônio com a finalidade da procriação), o que seria a única forma de proteger a continuidade e à vida humana.

Mas se a compreensão literal das escrituras pode distribuir condenações é também a leitura da Bíblia que faz destacar as contradições do discurso moralizante. Afinal, quem defende a vida pode se opor a uma medida legal que busca coibir assassinatos cometidos por ódio? Pode o cristão julgar e apontar a palha nos olhos do irmão? (Mt 7,3) É possível servir ao Deus do amor quem traz consigo somente palavras de ódio? (Jo 4,20) Ou ainda dizer que a preservação de um modelo hierárquico e patriarcal de família pode se sobrepor ao livre arbítrio dos irmãos ou ao amor pelo próximo?

Visto superficialmente são apenas contradições e, justamente para não se perder nelas, é importante compreender o conceito de “VIDA” que a Bíblia traz já no seu primeiro livro, o Gênesis: “O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente.” (Gn 2,7). Em uma leitura simples, quando Deus criou o homem à sua imagem e semelhança e, no ser criado a partir do pó, soprou a “VIDA”, o Criador deu valor Divino à sua criação. Somos todos feitos do barro a imagem e semelhança de Deus, não há hierarquia ou diferenciação entre seus filhos, e até mesmo a mancha do pecado é inerente a todo ser humano (com exceção de Jesus Cristo). E como todos possuímos o mesmo sopro do Criador, defender a vida e dizer não a qualquer violência que leve a morte, é preservar a imagem de Deus presente em cada um de nós.

Outra passagem importante para compreendemos os mistérios da “VIDA” está no Evangelho segundo Mateus, onde Jesus Cristo explica o valor inestimável da humanidade. Ele afirma nossa importância frente às coisas terrenas, dizendo que somos mais valiosos que os lírios do campo e as aves do céu, e pede para que, confiando em nossa filiação celeste, busquemos antes o Reino de Deus e a sua justiça (Mt 6,26-34). Mas qual seria a fórmula para alcançar o Reino de Deus e a justiça divina? Seria acaso o amor a mais justa medida? Creiamos piamente que sim, pois se pudéssemos sintetizar a vida e os ensinamentos de Jesus, chegaríamos a uma única palavra:  “AMOR”! E o Amor não tem ódio, nem se ira, não julga, e busca sempre ajudar o seu próximo sem PRECONCEITOS, porque “temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus ame também a seu irmão” (1 Jo 4,21). Pois ainda como podemos dizer que amamos a Deus que nós não vemos, se não amamos o nosso próximo? Se alguém dizer que ama a Deus, e odeia o seu irmão, é mentiroso (1 Jo 4, 20).

Durante sua vida na Terra, Jesus sempre esteve junto de quem estava à margem de tudo, o seu convívio sempre foi com pessoas estigmatizadas, como a samaritana (Jo 4,7) e a prostituta (Lc 7,37). Sem se importar, Ele comia com publicanos e pecadores (Mt 9,11), e nunca se afastou dos pobres, doentes ou marginalizadas pela religião. O Messias preferiu edificar a sua Igreja sobre os pilares mais pobres e frágeis do que ficar ao lado dos perfeitos cumpridores das “Leis” de Deus. Sobre esses homens, tão preocupados com a justiça e ao mesmo tempo tão vazio de misericórdia, Jesus faz umas das suas condenações mais duras, chamando-os de Hipócritas (Mt 23,13).

Agora, convido você, que caminhou comigo nessa reflexão, a tentar responder uma pergunta simples e sem sensacionalismo: Hoje, com quem andaria Jesus? Ainda que a resposta pareça clara, vamos utilizar um método comparativo rápido para nos orientar. Há dois mil anos Jesus se voltava para os homens e mulheres condenados e excluídos pelos lideres religiosos e políticos, tal como a mulher adúltera (Jo 8). Hoje não é preciso pensar muito pra elencarmos inúmeros grupos com quem o Senhor estaria e seria solidário. Talvez ele não fosse aos templos, mas certamente estaria nos guetos. Por isso é tão  decepcionante ouvir tantos líderes, auto proclamados cristão, mas que só conseguem falar em condenações, em leis, em guerras, dinheiro e tantas outras coisas terrenas quando o natural seria o anúncio da Boa Nova de que existe um Deus que é Amor e que está ao lado de quem sofre, de quem é desprezado, e do qual o “jugo é leve e o fardo suave” (Mt 11,29).

Mas com todas essas contradições e questionamentos explodindo dentro de nós, encontremos na leitura da Bíblia, a resposta que tanto procuramos: Não pode alguém falar daquilo que não conhece, não pode dividir a experiência do Deus Amor àquele que não sente sua presença viva, não pode uma má árvore dar bons frutos, nem a boca pode falar daquilo que não encontra no coração, pois a “boca fala do que lhe transborda o coração”. E agora quando escutamos ou lermos sobre “cristãos” cheios de amargura, ódio e condenações, saberemos que não falam do mesmo Deus que morreu na cruz por amor, do Deus que se revestiu da nossa humanidade e se entregou para salvar a todos. Tenhamos sempre cuidado com os falsos profetas para que, a despeito deles, nunca nos esqueçamos do verdadeiro mandamento que recebemos: “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.” (Jo 13,34-35).

Por fim, se ainda muitos destes que protestam em nome de Deus para condenar e assim negar direitos utilizando o argumento de que estão se baseando na vontade da maioria, lembremo-nos de um grande jurista e atual Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso que assim fala sobre Democracia e vontade da maioria:

“Se numa sala houver oito cristãos e dois muçulmanos, os oito cristãos não podem deliberar jogar os dois muçulmanos pela janela. Por quê? Porque a vida democrática não é feita só das maiorias políticas. A vida democrática também é feita da preservação dos direitos fundamentais de todas as pessoas, inclusive das que integram as minorias”.[1]

Irmãos e irmãs enchamos nossos corações de amor, para sempre podemos anunciar a Jesus e assim cumprir nossa missão profética como filhos amados de Deus, forte abraço.

Loreano Goulart e Lucas Paiva

Grupo de Ação Pastoral da Diversidade São Paulo.

[1] Conversas Acadêmicas: Luís Roberto Barroso. Disponível em:<<http://www.osconstitucionalistas.com.br/conversas-academicas-luis-roberto-barroso-ii>>. Acesso em 01. Out. 2014.